sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Cabana


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Era verão... o amanhecer cintilava por entre as frestas da janela, levanto-me... As lembranças me deixam um pouco zonzo... E as dores... Ah! As dores, estas percorrem meu corpo como se ainda as feridas estivessem abertas, e isto me causa náuseas... É verão. Tento novamente me reerguer para mais uma jornada... Não tenho muitas escolhas, a não ser viver. Atravesso a sala-- frente à lareira... fotos...imagens...saudades, as dores são tantas... Passos firmes. . Deixo a cabana para trás, saudades? Não as guardo, nem as lembranças, nem as... Não...Não olho para trás-- o ar daquela floresta... já o sinto distanciar-se... a cabana já não mais me incomoda, vejo-a pequena como nada tivesse acontecido, acode-me um sentimento de perca... a porta...deixei-a entre aberta ,como a esperá-la... um retorno, quem sabe uma última despedida, um último adeus...não...não tive eu tempo...arrependo-me... Ah! meu Deus, como me arrependo. Deveria ter sido eu ....eu, naquela noite.
***
Arrasto-me... os passos vacilam...vou de encontro ao abismo de mim mesmo.*** Não...não quero mais lembrar.*** Sufoca-me tudo,todos... ***Naquela noite chuvosa, março, dezesseis. Vinha eu dirigindo um pouco sonolento, não havia descansado o suficiente para pegar a estrada-- havíamos discutido feio na noite anterior sobre nossa viajem--planejamos esse momento há meses, mas tive de fazer uma viagem dois dias antes, a serviço. Cheguei atrasado como sempre, arrumamos às pressas as malas. Partimos.
***
A noite estava gélida. O silencio no carro era constrangedor, somente uns olhares furtivos, e as luzes dos carros que se refletiam no olhar dela -- eu a amava — fazia-me perceber que a vida valia ser vivida intensamente. Iríamos para o chalé que compramos para os nossos fins de semana, chamávamos de cabana, nome carinhoso e que remetia a um bucolismo, isso nos volvia a um tempo de infância, infância em comum que tivemos, éramos amigos desde os meus seis anos, crescemos e estudamos juntos, o amor surgiu naturalmente... Não foi mágica ou algo milagroso, foi somente amor, surgido da amizade. Nasceu das nossas brincadeiras no antigo lago que havia no sítio de meu avô. Éramos vizinhos... Parece que tudo direcionava para nós... Para sermos nós... Ela estava ali... junto a mim naquela noite, eu a olhava como se intui-se o que ocorreria momentos depois, meu coração apertou, apertou...Num relance, luzes velozes a nossa frente, rápidas se aproximavam, num susto virei a direção para não ser uma colisão frontal, mas o carro capotou....voltas, voltas no ar... fiquei desacordado por instantes, mas aquela cena não sai mais de mim, vê-la desacordada... tento mover-me, forço a tal ponto que consigo  sair do sinto que me prendia. Ela foi jogada para fora do carro, rastejo-me até ela, ela estava ofegante...tateei o meu bolso na procura do celular... Ligo... Grito ajuda, mas já era tarde, ela m...... me apavorei, tentei de todas as formas salvá-la, seus olhos ainda estavam entreabertos, brilhavam ainda, como... como se estivessem a se despedir de mim... Não, ela não disse nada, somente suspirou... Naquela mesma noite morri, morri com ela, ali em meus braços. As lágrimas que escorriam de minha face caiam...caiam no... rosto... dela...e iam de encontro a seus lábios... os beijei, eu os beijei pela última vez... balbuciei “te amo!”, não tive forças para gritar...

***
Luzes... Hospital... Tristeza.
***
Deixo à cabana, arrasto-me...os passos vacilam ,vou de encontro ao carro, é verão. Finjo não ter saudades, mas... Suspiro, a angústia, a falta me doem, olho eu para trás, vejo a cabana... minha vida...

2 comentários:

Éris disse...

Garoto mau-caráter. Nem disse que era o dono do blog. Lindo texto, objetivo e com sentimento, como deveria ser a própria vida...

Nefelibata Paranóico disse...

Essas duas criaturinhas do Sonhar agradecem por sua parceria. Além disso, parabéns pelo texto recheado de sentimento e talento.

 
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